Direito à moradia: Uma análise acerca da política pública de regularização fundiária, com base na lei n.º 11.977/2009 e na lei n.º 13.465/2017.
- Pryscilla Zamberlan

- 15 de abr.
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Atualizado: 25 de nov.

O planejamento do Uso e Ocupação do Solo, inicialmente, é regido pela Lei Federal n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, também denominado Estatuto da Cidade, que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 e estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana. Encontram-se reunidos no referido diploma legal os princípios e as orientações para a utilização e ocupação do espaço urbano, tendo como objetivo garantir o desenvolvimento das cidades de forma equilibrada e sustentável.
Nesse sentido, deve-se considerar que a ausência de ordenamento territorial nas cidades é capaz de ocasionar problemas sociais, econômicos, infraestruturais, legais, bem como de irregularidade fundiária, a qual acomete espaços urbanos em todo o território brasileiro [1].
Outro ponto relevante é o crescimento acelerado do processo de urbanização, especialmente no Brasil, sem o devido planejamento, que fez com que a moradia digna se tornasse um dos direitos mais esquecidos nos últimos anos. Conforme a pesquisa Censo, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, estima-se que nos últimos 150 anos, a população brasileira que antes era de 10 milhões de habitantes e contava com um percentual de 6% vivendo em áreas urbanas [2], hoje, com de mais de 200 milhões de habitantes apresenta em torno de 90% de habitantes em áreas urbanas. Houve, portanto, grande aumento no percentual de migração das pessoas que residiam em zonas rurais para zonas urbanas, ainda que estas fossem desprovidas de infraestrutura básica.
Conquanto a Constituição Federal de 1988 [3] tenha estabelecido no inciso IX do artigo 23 que é comum a competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, e o Estatuto da Cidade também tenha trazido previsão nesse sentido, constata-se que os primeiros sinais em relação à efetividade dessas políticas públicas ocorreram por ocasião da criação do programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei Federal n.º 11.977, de 7 de julho de 2009, que teve como premissa a regularização fundiária dos assentamentos informais in situ, sem relocação das famílias instaladas, trazendo a previsão de diversas medidas associadas à condições dignas de moradia e de acesso à infraestrutura adequada [4].
O referido programa trouxe dois marcos importantes para o tema objeto deste estudo:
a) a assunção da responsabilidade, por parte do governo brasileiro, ao reconhecer a moradia como um problema de Estado; e o início da aplicação da política de regularização fundiária no país.
Assim, pode-se dizer que, a partir disso, iniciou-se um período de consideráveis avanços na política habitacional [5], tendo em vista que a referida lei foi capaz de enfrentar os problemas da propriedade urbana informal e dispor de instrumentos capazes de auxiliar na concretização do direito à moradia [6]. No entanto, o tema ainda carece de políticas mais robustas para fim de garantir efetivamente o acesso ao direito social de moradia.
Posteriormente aos referidos marcos, foi publicada a Lei Federal n.º 13.465, de 11 de julho de 2017, em meio a polêmicas e sob críticas de diversos segmentos da sociedade, a qual trouxe alterações aos aspectos essenciais para a regularização fundiária. Valendo-se dessas informações, ao compararmos a chamada “Lei da Reurb” com a Lei n.º 11.977/2009, percebe-se que o conceito anterior tinha como pressuposto a promoção de melhorias urbanas associadas às condições dignas de moradia e ao acesso à infraestrutura adequada, a exemplo do programa “Favela Bairro”, na cidade do Rio de Janeiro, o qual urbanizou mais de 100 favelas e 24 loteamentos irregulares [7].
Contudo, atualmente, houve a substituição desse modelo pela mera titulação do imóvel, prática já adotada no Peru, criada a partir da proposta do economista Hernando de Soto [8], que mostrou-se ineficaz, considerando que não prevê planejamento nem melhorias urbanas no entorno das residências.
Por fim, conclui-se que a “Lei da Reurb” inaugurou uma nova ordem normativa urbanística que se distancia da ordem constitucional [9], trazendo inovações para além da simplificação e flexibilização dos processos de regularização fundiária [10], tendo como característica principal resolver os impasses de maneira extrajudicial promovendo a consensualidade entre os conflitos, independentemente das melhorias urbanísticas efetuadas no sítio objeto da regularização, ignorando o arcabouço normativo anterior.
NOTAS
[1] Marcos regulatórios da regularização fundiária urbana: foco nas leis 11.977/2009 e 13.465/2017 | Daniela de Freitas Lima e Almir http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-3302002000300013&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 04 abr. 2010.
[2] Censo IBGE de1872 – primeiro Censo do Brasil – população de 10 milhões de habitantes.
[3] Art. 23 da Constituição Federal de 1988. “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;”
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-3302002000300013&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 04 abr. 2010.
[4] Marcos regulatórios da regularização fundiária urbana: foco nas leis 11.977/2009 e 13.465/2017 | Daniela de Freitas Lima e Almir
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-3302002000300013&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 04 abr. 2010.
[5] MENEZES, Felipe Caldas - Inovações do Programa Minha Casa, Minha Vida nas questões Habitacionais: Avanços e retrocessos introduzidos pela Lei n.º 11.977/2009.
[6] MOURA, Emerson Affonso da Costa. DA MOTA, Maurício Jorge Pereira. O Direito à moradia digna na regularização fundiária da Lei Federal n.º 11.977/2009: O caso do auto de demarcação da comunidade da Rocinha. Revista de Direito da Cidade, vol.07, nº 03. ISSN 2317-7721 pp.1292-1310.
[7] CABRAL, Andressa. «Favela-Bairro: 20 anos depois». Viva Favela. Consultado em 26 de agosto de 2017. Arquivado do original em 26 de agosto de 2017
[8] COUTINHO, Laura. Hernando Soto e sua tentativa de solucionar o mistério do desenvolvimento. Revista Direito GV São Paulo 6(1) | P. 313-320| JAN-JUN 2010.
[9] Terra de Direitos – 10 perguntas e respostas sobre a nova lei de regularização fundiária urbana
REFERÊNCIAS
LEAL, Rogério Gesta. Direito Urbanístico. Porto Alegre: Renovar, 2003.
CABRAL, Andressa. «Favela-Bairro: 20 anos depois». Viva Favela. Consultado em 26 de agosto de 2017. Arquivado do original em 26 de agosto de 2017.
COUTINHO, Laura. Hernando Soto e sua tentativa de solucionar o mistério do desenvolvimento. Revista Direito GV São Paulo 6(1) | P. 313-320| JAN-JUN 2010.
MENEZES, Felipe Caldas - Inovações do Programa Minha Casa, Minha Vida nas questões Habitacionais: Avanços e retrocessos introduzidos pela Lei n.º 11.977/2009.
MOURA, Emerson Affonso da Costa. DA MOTA, Maurício Jorge Pereira. O Direito à moradia digna na regularização fundiária da Lei Federal n.º 11.977/2009: O caso do auto de demarcação da comunidade da Rocinha. Revista de Direito da Cidade, vol.07, nº 03. ISSN 2317-7721 pp.1292-1310.
DE SOUZA, Clara Cirqueira. DIAS, Maria Tereza Fonseca. A Regularização Fundiária Urbana na Lei n.º 13.465/2017: Análise da Adequação de seus Instrumentos à Política Urbana Constitucional. Revista de Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade | Goiânia| v. 5 | n. 1 | p.83-103| Jan/Jun.2019.




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