A Lei de Liberdade Econômica: uma análise sobre a definição de competências nos aspectos licenciatórios urbanos e ambientais.
- Juliana Sisson

- 5 de mar.
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O setor público é reconhecido pela burocracia em seus atos administrativos e consequentemente, pela demora no andamento das solicitações dos cidadãos. Nos últimos anos, temos observado um crescente movimento na implementação de iniciativas voltadas para a desburocratização do sistema público [1] de forma ainda tímida, mas relevante, cujo objetivo é forçar a implantação de melhorias nos processos públicos e minimizar o impacto na geração de renda do ser individual, do pequeno e do microempresário, em que pese o atual sistema, por muitas vezes ainda obsoleto, nas análises, nos requerimentos e na emissão de licenças. Cumpre mencionar que a raiz do problema, na maioria das vezes, deve-se ao engessamento das leis urbanísticas e ambientais que, normalmente, exigem procedimentos únicos para o licenciamento das atividades, sem fazer a necessária distinção acerca do uso econômico propriamente dito enquanto atividade de impacto urbano, quer seja relacionado a seu porte ou zoneamento [2]. Destarte, se por um lado é importante que haja uma regulamentação urbana e ambiental rígida e abrangente a fim de evitar danos que afetem a sociedade como um todo, também existe a necessidade de questionar os exageros.
No que tange a concessão da coisa, há de se distinguir a questão urbanística da econômica, a primeira se relaciona ao direito urbanístico e a segunda ao direito econômico. A promulgação da Lei de Liberdade Econômica – Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, provocou a urgência sobre a
necessidade na efetiva definição sobre a determinação de riscos, haja vista que “o ato de classificação do risco da atividade não é um ato mágico que converte o preto em branco. A classificação do risco precisa ser guiada por critérios técnico-científicos” [3], ao passo que promoveu a dispensa no controle estatal para as atividades de baixo risco e as de médio risco serão objeto de “autolicenciamento”. O art. 3º, inciso I, da citada lei, prescreve que constitui direito de toda pessoa, natural ou jurídica, “desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica”. Para NIEBUHR “A questão é saber se referidas previsões normativas podem ser de fato aplicáveis à Administração Pública quando a atividade por ela desenvolvida envolve, diretamente, a tutela de interesses coletivos e difusos, como ocorre no controle da ordem urbanística e ambiental” [4], pois como bem esclarece Hely Lopes Meirelles, na obra Direito Municipal Brasileiro, não se pode confundir a questão da competência quanto à sua atribuição acerca das definições do conceito de riscos e seus respectivos licenciamentos, assim estabelecido pelo Estatuto da Cidade [5], e evidenciado por Paulo Gustavo Gonet Branco [6],
“aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar normas federais e estaduais existentes”
De outro modo, vemos que o papel do município enquanto órgão regulador, advém do poder de polícia por ele exercido, especialmente no que tange as licenças ou autorizações urbanísticas [7], quer sejam edilícias quer sejam de localização e/ou funcionamento, de um direito cujo exercício é condicionado ao preenchimento de determinadas exigências e de alguns requisitos impostos em lei, observado que a prática da atividade laboral é indissociada da permissão de zoneamento por pressupostos objetivos [8]. Muito embora seja um direito do requerente, a outorga da licença é condicionada ao atendimento de requisitos e exigências impostas em lei com o objetivo de intervir para o controle urbanístico e o ordenamento no planejamento das cidades sob forma de um instrumento de execução do urbanismo.
Isto posto, conclui-se em primeira instancia que a dispensa do controle estatal, aos moldes do proposto pela Lei 13.874/2019, segue o contexto neoliberal de que o Estado deverá atuar subsidiariamente em relação ao empreendedor a medida que parte da premissa que o desequilíbrio entre o público e o privado representa custos que inibem as atividades econômicas e impedem a máxima lucratividade. Por outro lado, somente poderá ser aplicada àquelas atividades ou obras, que efetivamente não representem prejuízos ao ambiente natural - e, portanto, não exijam licenciamento ambiental, e ainda deverá atentar para o contexto do planejamento urbano ditado pelo Plano Diretor, especialmente quanto ao uso e ordenação da ocupação do território urbano que contesta uma abordagem pontual à medida que compreende que a dispensa do papel regulador dos entes federativos no controle prévio das atividades poderá ocasionar uma série de riscos cumulativos e sinérgicos para a ordem urbanística a longo prazo que compreenda a totalidade do espaço das cidades interferindo no objetivo principal de aumentar a sustentabilidade ambiental, urbana, econômica e social.
NOTAS
[1] Merece ser lembrado o Decreto n. 83.740, de 18 de julho de 1979, que criou o Plano Nacional de Desburocratização e o Ministério Extraordinário para a Desburocratização; na década de 1990, instituiu-se o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e criou-se o Ministério da Administração e Reforma do Estado. Em 1998, a Emenda Constitucional n. 19 inseriu a eficiência como princípio da administração pública, mas pouco se conseguiu nesse sentido. A Lei n. 11.598, de 3 de dezembro de 2007, foi promulgada com o intuito de simplificar e integrar o registro e legalização de empresários e pessoas jurídicas e, nos últimos tempos, em 2018, entrou em vigor no Brasil a “Lei Geral da Desburocratização” que tem como objetivo racionalizar os atos e procedimentos administrativos simplificando as formalidades e extinguindo exigências desnecessárias nos processos de ordem pública. [TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A tal “lei da liberdade econômica”. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 114, 101-123, 2019.
[2] NIEBUHR, Pedro. A isenção de licenciamento e a aprovação tácita previstas na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica: reflexos na Administração Ambiental e Urbanística. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 3 p.249-272, 2019.
[3] STEIGLEDER, Annelise Monteiro; PICCININI, Lívia Teresinha Salomão. A lei da liberdade econômica e seus impactos no direito ambiental e na tutela do patrimônio cultural. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 89, jan. 2021- jun. 2021, p. 205-232.
[4] NIEBUHR, Pedro. A isenção de licenciamento e a aprovação tácita previstas na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica: reflexos na Administração Ambiental e Urbanística. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 3 p.249-272, 2019.
[5] Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, Art. 4º, Inc. III.
[6] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 4ª edição P. 872.
[7] STEIGLEDER, Annelise Monteiro; PICCININI, Lívia Teresinha Salomão. A lei da liberdade econômica e seus impactos no direito ambiental e na tutela do patrimônio cultural. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 89, jan. 2021- jun. 2021, p. 205-232.
[7] NIEBUHR, Pedro. A isenção de licenciamento e a aprovação tácita previstas na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica: reflexos na Administração Ambiental e Urbanística. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 3 p.249-272, 2019.
[7] Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, Art. 4º, Inc. III.
[7] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 4ª edição P. 872.
[7] Segundo José Afonso Silva, não se confundem autorização e licença pois ambas são outorgadas mediante alvará.
[8] SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
[8] O Ministério da Economia revogou a Resolução nº 64/2020, que pretendia submeter o direito urbanístico a uma classificação de risco que distorcia a ordem constitucional brasileira, e permitir a flexibilização do licenciamento urbano nas cidades, em nome do princípio da liberdade econômica
REFERÊNCIAS
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Urbano. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
____________. Direito de Construir. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
STEIGLEDER, Annelise Monteiro; PICCININI, Lívia Teresinha Salomão. A lei da liberdade econômica e seus impactos no direito ambiental e na tutela do patrimônio cultural. Revista do Ministério Público do RS. Porto Alegre, n. 89, jan. 2021- jun. 2021, p. 205-232.
NIEBUHR, Pedro. A isenção de licenciamento e a aprovação tácita previstas na Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica: reflexos na Administração Ambiental e Urbanística. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 3 p.249-272, 2019.
TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A tal “lei da liberdade econômica”. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 114, 101-123, 2019.
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
_______. Decreto Federal 10.178/2019.
_______. Lei 10.257/2001 - Institui o Estatuto da Cidade.
_______. Lei 13.874/2019 - Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
_______. Resolução CGSIM n. 64/2020.
_______. Resolução CGSIM n. 01/2021.
_______. Resolução CGSIM n. 01/2021.




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