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A Transferência de Potencial Construtivo como instrumento à preservação e a manutenção do Patrimônio Histórico: o caso de Porto Alegre.

  • Foto do escritor: Juliana Sisson
    Juliana Sisson
  • 8 de abr.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de nov.


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A estratégia de preservação do patrimônio histórico brasileiro é construída até os dias atuais de forma lenta e gradual, geralmente elaborada por grupos de intelectuais que perceberam a necessidade de mudanças políticas e culturais, referentes à preservação do patrimônio. [1] Em nossa atualidade, falar sobre patrimônio é tocar em uma temática polêmica, pois as ações de diversos interesses, advindas de diferentes esferas sociais, econômicas e políticas entram em conflito quando se trata do binômio preservação/permanência e transformação/destruição.


O conceito clássico de patrimônio histórico cultural, é aquele que “abrange todos os bens, móveis e imóveis, existentes no país, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história pátria, ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou ambiental” (MEIRELLES, 1991). De acordo com o artigo 216 da Constituição Federal, qualquer bem, material ou imaterial, singular ou coletivo, móvel ou imóvel, é incluído no patrimônio cultural brasileiro, desde que seja portador de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nacionalidade ou sociedade brasileira.


O artigo 255 também da Constituição Federal, estabelece ainda que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” [2]. Neste aspecto o Estatuto da Cidade mostra-se como o instrumento jurídico hábil a proteger o meio ambiente natural e artificial, tendo em vista que salvaguarda o meio ambiente urbano justo, equilibrado e sustentável, estabelecendo que toda atividade econômica deve ter especial planejamento por parte do administrador público, observando os limites de sustentabilidade ambiental. As diretrizes gerais e os instrumentos de política urbana ali previstos formam um plexo de normas que permitem o racional aproveitamento do solo urbano, dando à propriedade sua função social, com o objetivo de melhoria da qualidade do meio ambiente urbano, em todas as suas dimensões [3]. No que tange a preservação do patrimônio histórico e sua relação com o crescimento das cidades, o tombamento [4] tem especial importância na proteção dos bens declarados de valor histórico, artístico e cultural, sendo o mais conhecido dos instrumentos de proteção do patrimônio histórico cultural, muito embora existam outras formas de acautelamento e preservação tais como o inventário, registros, vigilância, desapropriação entre outros. Portanto, é dever do Poder Público, proteger os bens integrantes do patrimônio cultural por meio de quaisquer formas de acautelamento ou preservação, desde que tenham algum valor histórico e fundamento legal.


A questão da preservação de bens históricos e culturais sempre vem acompanhada do estudo do direito de propriedade. Não há como negar a relação existente entre a tutela do patrimônio cultural e o direito de propriedade, uma vez que qualquer ação voltada à preservação de bens históricos e culturais implica necessariamente numa interferência nos direitos fundamentais. Por um lado, a lei garante o direito de propriedade, por outro, determina que a propriedade atenderá a sua função social. A proteção do patrimônio neste caso figura, portanto, como uma das condições para o exercício do direito de propriedade. Por entender que o proprietário do bem de interesse histórico cultural deverá usufruí-lo em benefício da coletividade, é que se justifica o gozo de benefícios fiscais e específicos tal como a Transferência do Direito de Construir, cuja base legal é prevista na Lei 10.257/01, em seu artigo 4º, inciso V, alínea “o”, e artigo 35 da mesma Lei.


Na cidade de Porto Alegre, a transferência do potencial construtivo, tem sido utilizada como uma forma de compensação ao proprietário do imóvel objeto de preservação, já que este não pode dispor do bem de forma plena, uma vez que fica prejudicado quanto à ampliação, alteração ou demolição; neste último caso, poderia inclusive realizar uma construção moderna e com elevado número de pavimentos. A Lei 12.585/2019 veio como um respiro à preservação do patrimônio histórico da cidade, antes esquecido pelo engessamento de leis obsoletas e ultrapassadas que não acompanharam o progresso da cidade. No que tange a possibilidade de manutenção do bem preservado, por meio da transferência do potencial construtivo, o proprietário pode exercer seu direito tanto no próprio imóvel, como em outra área, ou ainda, transferi-lo para outrem. Merece ser observado que tal incentivo não é eterno, ao contrário do que se presume pelo conceito de preservação, para àquelas edificações com graus avançados de degradação, muitas vezes o resultado obtido do incentivo não é suficiente para a reparação do bem, especialmente nos imóveis cuja área territorial é pequena inviabilizando qualquer negócio imobiliário.


Neste contexto, o Estado possui uma relação ambivalente no que tange ao patrimônio, a dicotomia entre permanência e transformação é uma constante quando se trata desta temática, por um lado o valoriza e o promove como elemento integrador de sua história, ainda que muitas vezes considerado um prejuízo financeiro; por outro incentiva o uso indiscriminado do patrimônio para fins imobiliários preservando apenas um elemento isolado considerado mais significativo do que outros, construindo uma relação sensível deste setor para com a história local, especialmente porque é o ator responsável pelas políticas públicas relacionadas à preservação destes elementos. Todavia, esse diálogo tem que objetivar também o consenso entre o desenvolvimento urbano e sua necessidade crescente por espaço em acordo com a história contida em seus bens imóveis.


Por fim, entender que a história é dinâmica, não estática e que as sociedades acompanham este movimento de diferentes formas, provocando diversos impactos sociais, econômicos e culturais, é a chave para o reconhecimento da real importância do patrimônio na cultura, na identidade de um povo, em sua noção de pertencimento social e de que esse patrimônio precisa ser preservado. Simultaneamente, precisamos entender que dentro dessa dinamicidade o “progresso” está presente vestido de elementos modernos e provocadores de uma realidade de embates, velocidade de informações e construção de novas tecnologias. O crescimento das cidades é progressivo, latente e intrínseco ao aspecto econômico na figura de corresponder aos interesses da modernidade, do desenvolvimento urbano e do capital.



NOTAS


[1] A constituição de 1988, no artigo 216, coloca como existente o patrimônio material e imaterial e específica suas singularidades, entretanto somente em 1990, surgiu o Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, tempos depois, nomeado de IPHAN.

[2] BRASIL. Constituição Federal de 1988 – Artigo 255.

[3] OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2002, p. 21-28.

[4] Ato de reconhecimento do valor histórico, artístico ou cultural de um bem, transformando-o em patrimônio oficial público e instituindo um regime jurídico especial de propriedade.



REFERÊNCIAS


LOPIS, Erivania Azevedo. Patrimonio histórico-cultural: preservar ou transformar? Uma questão conflituosa. Revista Mosaico, Vol.8, 2017.

GAIDEX, Raquel de Barros. SCHUSSEL, Zulma. Outorga onerosa do direito de construir e transferência do direito de construir: instrumentos de política urbana para proteção do patrimônio histórico cultural. São Paulo: Revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo, 2015.

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Estudos de direito do patrimônio cultural. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. CAPPELLI, Silvia. A proteção constitucional e infraconstitucional do patrimônio cultural. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.

MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 16ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2002.

IPHAN – Carta de Atenas. Assembleia do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna,1933.

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

______ . Lei 10.257/2001 – Estatuto das Cidades.

______ . Decreto-lei nº 25/1937 - Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.



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