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O impacto das áreas contaminadas na incorporação imobiliária: O caso do 4º Distrito de Porto Alegre/RS

  • Foto do escritor: Juliana Sisson
    Juliana Sisson
  • 6 de mai.
  • 4 min de leitura


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A estruturação dos territórios é produto de um longo processo de construção social, onde os fatores econômicos, políticos, culturais e urbanos interagem, ao longo do tempo, em maior ou menor escala. Porto Alegre, assim como boa parte das metrópoles brasileiras, apresenta zonas onde outrora estavam localizadas atividades industriais.


A área denominada de Quarto Distrito [1] é um desses casos, cujo território teve seu desenvolvimento vinculado a uma atividade fabril, principalmente nos ramos de tecidos e metalurgia, oriundo de um acelerado processo de crescimento urbano a partir da metade do século XIX muito em função de sua localização privilegiada junto a entrada da cidade e ao Lago Guaíba [2].


Mais tarde, a criação do Plano Diretor 1959, induziu um desenvolvimento restritivo à apenas as atividades de caráter industriais, as quais acabaram por selar a estagnação da área até os dias atuais. Bem sabemos que as atividades fabris, quando não submetidas ao cuidado necessário relacionado a prevenção da contaminação do solo e das águas subterrâneas, implica em potenciais riscos à saúde humana e ao meio ambiente.


Os problemas ambientais associados à presença de solos contaminados começaram a ser reconhecidos no Brasil durante a década de 1980, originalmente por meio da Lei 6.938 de 1981, instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, muito embora também recepcionada pela Constituição Federal de 1988.


A presença de áreas contaminadas e passivos de terrenos com indústrias desativadas impõe problemas especiais de gestão urbana, ao contribuir para a desvalorização não somente do imóvel contaminado, mas também de seu entorno, uma vez que relaciona-se à uma imagem deteriorada da cidade ao favorecer a disposição clandestina de resíduos e a ocupação irregular de terrenos. Desta forma, áreas contaminadas representam problemas múltiplos para a sociedade: (i) um risco à saúde humana e dos ecossistemas; (ii) um risco à segurança pública; (iii) restrições ao desenvolvimento urbano e ainda (iv) a redução do valor dos imóveis [3].


No caso especifico do 4º Distrito há, portanto, um hiato de tempo entre a consolidação desta região enquanto área de subsistência industrial – e sua decadência, e a implementação do respaldo legal que possibilitasse uma fiscalização efetiva do Estado no que tange a proteção ambiental das atividades ora executadas, e cuja resposta atualmente é repassada ao empreendedor em razão da incapacidade do Poder Público de absorver os resultados decorrentes de seu dever essencial na preservação do meio ambiente.


Recentemente, com a publicação da Lei Complementar 960/2022, o Município de Porto Alegre buscou promover a diversidade de usos e de atividades voltadas ao desenvolvimento urbano, harmonizando a herança do passado industrial com futuros polos de tecnologia, de educação e de saúde, recuperando edificações abandonadas e mesclando-as com novos equipamentos de uso coletivo, incentivando o aumento de densidade populacional e habitacional através de um regime urbano diferenciado, muito embora ainda haja óbices na lei sob o aspecto da produção imobiliária, notadamente quanto ao contexto da viabilidade econômica e financeira de futuros empreendimentos para os quais residam à obrigatoriedade na remediação ambiental, à luz da Resolução CONAMA nº 420 e suas alterações, em decorrência das ocupações passadas.


Nesse cenário, os princípios da precaução e da prevenção apresentam aspectos simples e fundamentais para um Estado de justiça, ou de igualdade ambiental. O princípio da precaução estabelece a necessidade de adoção de cautela ainda que não haja prova evidente da presença de um perigo. O princípio da prevenção, por sua vez, impõe cautela diante das implicações do início de determinadas ações ou iniciativas. Tal princípio tem por objeto a prática anterior, sendo a análise dos impactos ambientais um de seus dispositivos. Tiago Bitencourt de David entende que o princípio da precaução recomenda que a cautela precisa ser adotada antes de prova inequívoca da existência de um risco. [4] Tal determinação origina um ônus a quem se dispõe a cumprir a ação, cuja falta de risco é colocada em dúvida. Nesse modelo, quem comercializa produto novo precisa provar a garantia do mesmo.


Já as questões relativas à responsabilidade civil precisam ser revistas. Os agentes promotores da revitalização, como os investidores em projetos de reutilização, poderão ser responsabilizados por danos ambientais ocorridos no futuro, mas decorrentes de atividades realizadas no passado? É justamente este o problema que leva ao surgimento dos brownfields [5], ou seja, os riscos de responsabilização dos proprietários de um terreno contaminado, mesmo que não tenham sido eles os causadores da contaminação.


Por fim, observamos que dentre os instrumentos econômicos propostos pela citada lei de revitalização do 4º Distrito, é fato que uma política fiscal aplicada pontualmente aos casos de necessário manejo ambiental pode ser utilizada para encorajar a proposta, desde o imposto predial e territorial urbano – IPTU – progressivo, às denominadas operações urbanas, vamos ainda mais longe, poderia o ônus da remediação ser compartilhado quanto à partilha de custos entre o poder público e os agentes responsáveis pela contaminação? [6] Como arbitrar a partilha de custos entre o poder público e os agentes responsáveis pela contaminação de cada sítio e como financiar a remediação de futuros empreendimentos? É hora de se pensar nos instrumentos necessários para promover a reabilitação dos brownfields e reinserir essas áreas no tecido urbano da cidade de modo a promover o desenvolvimento da cidade como um todo, de forma ampla e coletiva.




NOTAS


[1] Até meados do século XX a cidade de Porto Alegre era dividida em distritos permanecendo assim até 1950, quando passou a ter como referencial territorial a divisão por bairros.

[2] TITTON, Cláudia Paupério. Reestruturação produtiva e regeneração urbana: o caso do IV Distrito de Porto Alegre. São Paulo, 2012. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

[3] Sánchez, L.E. 2001. Desengenharia: o passivo ambiental na desativação de empreendimentos industriais. São Paulo, Edusp, 254 p.

[4] DAVID, Tiago Bitencourt de. Doutrina e prática de Direito Ambiental. Sapucaia do Sul: Notadez, 2011. p. 46.

[5] Brownfields são espaços abandonados ou subutilizados, resultantes de empreendimentos desativados que se encontram deteriorados e/ou contaminados.

[6] SÁNCHEZ, Luis Enrique. Revitalização de Áreas Contaminadas. Ed. Signus, 2004.



REFERÊNCIAS


TITTON, Cláudia Paupério. Reestruturação produtiva e regeneração urbana: o caso do IV Distrito de Porto Alegre. São Paulo, 2012. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie.






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