Enchentes e a necessidade de repensar a cidade: lições de Porto Alegre
- Crislaine Araujo

- 21 de ago. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de nov.

A maior catástrofe climática do estado
As enchentes têm se tornado um desafio crescente para muitas cidades ao redor do mundo, revelando a necessidade de repensar o planejamento urbano e a arquitetura. As chuvas de maio de 2024 em Porto Alegre destacaram claramente a urgência de abordar a questão com uma perspectiva integrada que envolva tanto o setor público quando privado mas também a prática de arquitetura e urbanismo.
Durante as semanas de maio, a cidade enfrentou uma série de alagamentos severos que causaram danos extensivos às infraestruturas urbanas e residências, além de provocar impactos socioeconômicos significativos. Chuvas intensas nas bacias dos rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos e Gravataí provocaram o transbordamento dos rios com reflexos na elevação do Guaíba. Para agravar a situação, segundo dados da estação do Instituto Nacional de Meteorologia, pela primeira vez em sua história climática a cidade de Porto Alegre registrou um acumulado de chuvas em mês civil superior a 500 mm. Amplas áreas residenciais e comerciais foram inundadas resultando na maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul.
Essa conjuntura levou à paralisação de importantes vias de transporte, colapso de pontes e à destruição de propriedades. Mais de 160 mil pessoas foram afetadas diretamente somente na cidade de Porto Alegre e centenas de famílias deslocadas. Segundo dados da própria prefeitura, os impactos econômicos no setor privado chegaram a R$ 3,2 bilhões sem considerar perda de capitais investidos. Já no setor publico, as perdas e necessidades de investimentos chegaram a R$ 12,3 bilhões, entre danos de infraestrutura, equipamentos públicos e habitação, sistemas de abastecimento de água e esgoto, diques e perdas em arrecadação.
Enchentes e as lições e Porto Alegre
Além dos danos diretos, as enchentes expuseram fragilidades graves no planejamento urbano e na gestão das águas pluviais da cidade. A infraestrutura existente, mostrou-se inadequada para suportar a intensidade do evento, resultando em alagamentos prolongados. A falta de um olhar mais sensível para a possibilidade de eventos extremos contribuíram para o agravamento da situação.
Este período escancarou problemas críticos diversos, uma lição que a cidade nos impôs. Entre eles, a diminuição de áreas permeáveis, uma infraestrutura de drenagem ineficiente que não foi suficiente para lidar com o volume de água e a falta de manutenção de estruturas importantes do sistema de proteção contra enchentes na cidade de Porto Alegre e região. Além disso, a importância de buscarmos a estruturação de soluções efetivas para edificações existentes em áreas de risco propensas a enchentes, com a revisão de regulamentações, realocações, planejamento adequado, um trabalho de conscientização e fiscalização para evitar novas construções em locais vulneráveis.
No caso de Porto Alegre, a duras penas, a cidade nos deu uma aula sobre como precisamos unir esforços de forma urgente para repensar o planejamento urbano e a prática arquitetônica buscando mitigar futuros desastres.
Neste sentido, um caminho possível seria um trabalho colaborativo, pautado em decisões elaboradas através de um corpo técnico eficiente e multidisciplinar composto por setor público, privado e com a associação de arquitetos e urbanistas. Poderiam, assim, contribuir no desenvolvimento de sistemas mais resilientes que preparem o município para eventos climáticos extraordinários, como vem sendo feito em cidades como Boston, Nova York, Copenhague ou Hamburgo.
Importância de iniciativas do setor público
Este período também evidenciou a necessidade de revisão e reforço de políticas públicas de planejamento urbano. O papel do setor público e das regulamentações é crucial para enfrentar e mitigar os efeitos das enchentes. Não podemos deixar que o tempo apague da memória os dias difíceis que Porto Alegre viveu, e que muitos ainda vivem no rescaldo social e econômico da enchente.
Há uma série de pautas que necessitam entrar em debate de forma mais profunda, entre elas regulamentações mais rigorosas sobre o uso do solo e a construção em áreas de risco, maiores investimentos em infraestrutura urbana com novos programas de revitalização de áreas inundadas e revisão das infraestruturas de drenagem reduzindo a vulnerabilidade das cidades a futuras enchentes.
Ademais, iniciativas de educação sobre os riscos de enchentes e as práticas de construção sustentável podem ajudar a promover uma maior conscientização e colaboração comunitária em torno da gestão das águas pluviais. Também é vital que as cidades desenvolvam e implementem planos de contingência para situações de emergência relacionadas a enchentes. Isso inclui a criação de sistemas de alerta precoce e a capacitação das equipes de resposta a desastres. Afinal, uma das lições que Porto Alegre nos entregou foi que a resposta emergencial da sociedade civil, que se organizou rapidamente em uma corrente de solidariedade, foi mais rápida e menos burocrática do que a resposta do poder público.
As enchentes de maio de 2024 em Porto Alegre acentuam a necessidade de uma abordagem sistêmica e proativa no planejamento urbano e na prática arquitetônica. Isto é fundamental para criar cidades que não apenas resistam aos desafios das enchentes, mas também se adaptem de forma sustentável e eficaz.
O papel do setor público é primordial nesse processo, assegurando a inserção de atores diversos nas pautas, investindo em corpo técnico qualificado e nos recursos necessários para proteger a cidade e seus habitantes contra futuros desastres. E o nosso papel, enquanto arquitetos, é atuar junto nos debates que cercam estas questões com um novo olhar sobre a perspectiva projetual, encarando de frente nas soluções arquitetônicas e urbanas os desafios impostos pela crise climática.



O problema de Porto Alegre foi o descaso do poder público em fazer a manutenção do sistema de proteção formado por diques, bombas e comportas. O sistema teria evitado o caos provocado pela falta de cuidado do poder público. Algumas áreas foram atingidas e não havia a previsão de proteção mas os danos foram pequenos.